quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

23.10.06 - BRASIL

Cidadania planetária e educação

Claudemiro Godoy do Nascimento *

Nesta pós-modernidade aclamada por muitos e muitas, inúmeros desafios foram impostos à humanidade. Tais desafios são heranças da barbarização e coisificação do ser humano ocorrida no século XX. O raiar do século XXI, pós-moderno para os grupos hegemônicos, assistiu as consolidações de um processo que tomou forma e conteúdo a partir das profundas transformações que se sucederam no cenário geopolítico mundial com o fim da guerra fria, a saber: o fenômeno da globalização ou mundialização.Por um lado, sabemos que este processo de mundialização irreversível introduziu um modelo de dominação econômica, política e cultural extremamente excludente para os povos do Sul. Também não significa ser menos verdadeira a afirmação que o fenômeno da globalização propiciou o surgimento de novas tecnologias que podem oferecer as condições materiais para uma possível cidadania global. Infelizmente, a globalização e seu modelo de dominação utilizam das novas tecnologias para a especulação econômica de grupos hegemônicos que se encontram no poder. Neste cenário, os países vão perdendo sua soberania nacional e os movimentos sociais são ideologicamente criminalizados por suas ações coletivas.
Segundo Otavio Ianni, a globalização materializou a antiga noção de que o mundo é uma aldeia global. Conseqüentemente, somos todos nós, cidadãos do mundo, pois não existe mais fronteira de comunicação e de pertença na tecnologia virtual da rede mundial de computadores. E, se somos cidadãos do mundo, então deveríamos estar cientes de nossos direitos e deveres e, com isso, procurarmos uma forma de criar e implementar novos direitos e deveres para que possamos exercer com maior plenitude a cidadania mundial. Mas, não é bem isso o que vemos. Aliás, percebe-se o contrário. Existe uma barreira entre os cidadãos do mundo e os que se encontram na periferia do mundo, no submundo do mundo globalizado. Dois mundos que se confrontam constantemente. O mundo dos que participam do mercado e da economia globalizada, pois possuem condições materiais de existência para comprar e se tornar clientes dessa mundialização. E, por fim, o mundo dos que não participam do mercado e da economia globalizada, pois não possuem condições materiais de existência para comprar e se tornarem clientes dessa mundialização. Resta a estes últimos viverem com as migalhas e sobras que caem da farta mesa daqueles e daquelas que se encontram no primeiro mundo.
A noção de cidadania planetária surge a partir de uma concepção onde se afirma que, independente da nacionalidade, habitamos o mesmo planeta ao qual devemos cuidar e compartilharmos princípios, valores, atitudes e comportamentos comuns, próprios de uma única comunidade, a comunidade dos seres humanos. A cidadania planetária pode ser uma ferramenta útil para a construção de um processo paralelo de globalização. Sabemos que a globalização é um fenômeno irreversível. O que não pode ser irreversível é o modelo de globalização que temos, neoliberal, de mercado, economicista, especulatório, excludente e dominante. A alternativa possível é a construção de uma cidadania planetária que promova uma globalização cooperativa e solidária onde se prevaleça os interesses dos povos, objetivando a eliminação das diferenças socioeconômicas e a integração da diversidade cultural da humanidade. Este é um processo lento e gradual que abrange questões vitais relacionadas ao futuro da vida no planeta, tais como a ecologia e a criação de um novo paradigma eficiente de desenvolvimento sustentável.
A cidadania planetária é desconsiderada por muitos e muitas. É uma utopia necessária para nós hoje pois se trata de repensar os preceitos de uma nova ética planetária, realmente sustentável para a casa comum dos seres humanos. E de nada adianta pensarmos na ecologia e no meio ambiente se não pensarmos também no homem enquanto ser ecológico e com pertença ao meio ambiente. Se se cuida da floresta e dos animais torna-se urgente cuidar também do homem, excluído desse sistema perverso proporcionado pelo neoliberalismo de mercado. Evidentemente que a cidadania planetária é uma utopia (um caminho que se faz e só se faz caminho caminhando - algo não realizado que historicamente poderá se realizar). É uma utopia diante do modelo de produção capitalista e dos conflitos atuais no qual vivemos. Conflitos e tensões entre Ocidente e Oriente são os que mais assustam a humanidade hoje.
O caminho vem sendo feito por diversos movimentos sociais e por grupos coletivos que se juntam para pensar o futuro da humanidade. Destaco dois momentos propositivos onde se faz o caminho da cidadania planetária, a saber: Fórum Social Mundial e seus Fóruns temáticos espalhados por todo o planeta terra, principalmente nos países que se encontram abaixo da linha da pobreza; e os diversos movimentos sociais da sociedade civil juntamente com governos populares que se efetivaram na América Latina nesta última década investiram na educação para a conscientização por meio de uma educação não-formal e formal para que possa ser restabelecido o princípio motriz da humanização face ao descontrolado modelo de barbárie do neoliberalismo. Também este modelo produz um discurso de cidadania planetária, discurso demagógico, pois reproduz as armadilhas do ecocapitalismo visto sob a ótica da lucratividade-utilitarista. Um exemplo claro disso é a reivindicação dos povos indígenas contra a Privatizada Empresa Ex-Publica Vale do Rio do Doce (ainda não sei ao certo se foi doada ou leiloada pelo Governo FHC?) que se utiliza dos recursos de áreas indígenas ou da União e não possuem um compromisso com a cidadania planetária que queremos. O discurso é pautado no ecocapitalismo, ou seja, dizem eles: Já investimos anualmente cerca de 90 milhões de reais para as populações indígenas. É a barbárie do capital em atuação, pois não se clama somente por investimos, mas por humanização e compromisso com a casa comum de todos.
Podemos dizer que a cidadania planetária se apresenta neste cenário em defesa da vida e a lógica de um novo modelo não deve jamais tornar-se em sistema, pois sistemas se tornam em doutrinas e dogmas prontos e acabados. Nesta perspectiva, a sociedade civil por meio das organizações populares e movimentos sociais devem exercer um importante papel de formação de uma nova consciência ética, consciência da cidadania planetária, a partir da defesa incondicional a qualidade de vida para todos sem distinção de nada. Com isso, estaremos em comunhão promovendo novos valores realmente democráticos e defendendo a formação de um novo ethos planetário.
Todos e todas são co-responsáveis pela promoção dessa cidadania planetária. Cidadania Planetária que busca a substituição da globalização neoliberal/de mercado para uma nova globalização, solidária, fraterna, uma globalização cooperada. De um lado temos a concepção que reproduz uma visão de mundo cartesiana onde o próprio homem se identifica com uma máquina que aciona seu comando de autodestruição. De outro lado temos um pensamento condizente com o século XXI, uma visão coerente de respeito à vida, onde são garantidos, os direitos e deveres sociais, políticos, econômicos, ambientais e culturais.
Neste contexto, o papel da educação é de fundamental importância para a implantação de uma nova consciência mundial nas futuras gerações e para a análise e discussão das questões que constituem obstáculos à construção de uma sociedade mais justa, ética e próspera.

E-mail: claugnas@terra.com.br
* Filósofo e Teólogo.
Disponível em: http://www.adital.com.br/site/noticia2.asp?lang=PT&cod=25012. Acesso em: 1 de dezembro de 2009.

Um comentário:

  1. Nascimento abordou de forma bastante ampla e pouco simplista as consequencias da globalização para a sociedade atual. Nesse contexto, portanto, é essencial a criação de uma cidadania planetária que vise à integração da sociedade em prol de objetivos comuns: o respeito à vida e aos direitos sociais e ambientais, utilizando como ferramenta a educação.

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